Biblioteca Itinerante


Breve síntese histórica das Bibliotecas Itinerantes em Portugal

Biblioteca ItineranteQuando falamos das Biblioteca Itinerantes (B.I.) e tentamos encontrar a sua história, deparamo-nos com alguma documentação e até mesmo estudos académicos já realizados que nos indicam o ano de 1953 como o início da primeira B. I. em Portugal, mais concretamente na cidade de Cascais.
O responsável por “tamanha” inovação, o escritor Branquinho da Fonseca, na altura Conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca do Conde de Castro de Guimarães, iniciava um projecto ambicioso de itinerância do livro, deslocando-se aos pontos mais importantes das localidades do Concelho de Cascais, com a finalidade de tornar acessível à população, de forma gratuita,o livro. Esta iniciativa isolada, veio alterar significativamente, o rumo da história das bibliotecas em Portugal.
Branquinho da Fonseca pensa no alargamento à escala nacional desta sua experiência bem sucedida e propõe à Fundação Calouste Gulbenkian, (fundada por testamento após a morte do filantropo Calouste Sarkis Gulbenkian) a criação de um serviço inovador de empréstimo de livros, idêntico ao que tinha criado em Cascais, através da implementação de uma rede de bibliotecas circulantes que chegasse a todo o país, incluindo as ilhas.
É então, em 1958, criado o Serviço de Bibliotecas Itinerantes (S.B.I.) da Fundação Calouste Gulbenkian, que o escritor dirige durante cerca de 16 anos, emergindo um serviço de leitura pública moderna.
Este serviço dirigia-se a todo o país, com excepção dos grandes centros urbanos e a sua acção incidia, principalmente, junto das populações do interior do país, com grande expressão nas localidades rurais com maiores dificuldades no acesso ao livro, à educação e à cultura.
Pretendia-se com este projecto, fazer chegar o livro a todos aqueles que, por diversas razões não o procuravam, por falta de condições financeiras, ou limitados por distâncias geográficas.“...quando o homem, por qualquer motivo, não se interessa pelo livro e não busca a sua conviviência, o livro tem de procurar e interessar o homem, para o servir, quer instruindo-o quer recriando-o1", escrevia em 1961, no Boletim nº 5, o Presidente da Fundação Gulbenkian.
Os livros chegavam às localidades, nas biblioteca itinerantes, pela mão de homens cultos e de sabedoria que sentiam o dever de provocar ao leitor (ou ao futuro leitor) a “sede” da leitura. Ofereciam-se, assim, livros de distracção e cultura, dando-lhe a oportunidade de aceder a obras relacionadas com os seus diversos interesses.
Num contexto político adverso, Portugal confrontava-se com a inexistência de uma cultura de educação junto das populações, com alarmantes índices de analfabetismo, mais visíveis e acentuados nas localidades do interior do país.
É a Fundação Gulbenkian que, com a implementação das Itinerantes, procura colmatar o alarmante fosso existente nesta área. As carrinhas-biblioteca passam então a chegar aos lugarejos mais distantes do Portugal rural, procurando conciliar os percursos e os horários de funcionamento com as disponibilidades e necessidades da população.
Esta preocupação, constante dos S.B.I da Fundação, pode constatar-se através da Circular nº 8, de 1959, enviada aos responsáveis das B.I. afirmando-se que: «Com a intensificação dos trabalhos agrícolas verificar-se-à a necessidade de ajustar o horário de serviço das bibliotecas às conveniências da população rural, pois que, em muitas localidades, os leitores não poderão ir à biblioteca antes do fim da tarde.2»
Bibioteca ItineranteCerca de dois mil volumes, devidamente assinalados e estrategicamente arrumados, (de acordo com as idades do público a que se destinavam, assuntos e grau de complexidade), seguiam sobre rodas por caminhos, muitos deles tortuosos, permitindo que crianças, jovens e adultos tivessem a possibilidade de acederem aos diversos géneros de publicações, ainda que nem sempre este acesso fosse possível, quer pelas características do serviço, quer pela orientação política do regime de então. Atente-se na seguinte citação, retirada da circular nº1 de 1958, cujo teor, obviamente dissimulado, alerta para que «...as bibliotecas itinerantes têm características fundamentalmente populares, não podendo, pela sua intenção e orgânica, comportar obras eruditas, de especialização científica, ou em línguas estrangeiras.3»
Asseguravam o funcionamento destas unidades móveis, um Auxiliar e um Encarregado, responsável pela biblioteca. Pessoas cultas, como já referido, com grande formação cívica e cultural, que aconselhavam o utilizador nas suas pretensões de leitura, procedendo ao empréstimo dos livros de acordo com os diversos pedidos.
Sobre o Encarregado, recaía, entre outras, a função da orientação da leitura em cada caso particular, com a maior atenção e solicitude, de maneira que a acção das bibliotecas correspondesse aos fins educativos, culturais ou simplesmente recreativos, para que tinham sido criadas. Curioso, é analisarmos o papel solícito, confiado ao Encarregado que sugeria o conselho simpático e afável e nunca a imposição da leitura de qualquer obra, nem a recusa do seu empréstimo aos leitores. Ainda assim, na circular nº 140, remetida aos encarregados em 1971, elucidava-se que «só pode ser recusado o empréstimo das obras assinaladas com fita vermelha na capa da frente e isto quando se considere que o leitor requisitante não tem a formação moral e o desenvolvimento intelectual necessários para a boa compreensão dessas obras... às crianças só podem ser facultados os livros marcados com fita verde. Aos adolescentes poderão ser emprestados, alem dos livros com fita verde, aqueles que, seleccionados para adultos (fita cor de laranja), estejam classificados como muito fáceis ou fáceis.4»
A gestão das colecções recaía sob o Serviço de Bibliotecas Itinerantes, regida por critérios bem definidos e efectuada na própria Sede da Fundação, em Lisboa. A publicação do catálogo, regularmente actualizado, dava conta do acervo existente, verificando-se a preocupação em atender pedidos de outras leituras, tais como informação ou manuais de estudo.
Assim, ao longo de cinco décadas, milhares de quilómetros foram percorridos num Portugal cinzento e mais de 97 milhões de obras literárias foram requisitadas.
Fazemos, obviamente, referência à Biblioteca Itinerante da Batalha, numerada pela Gulbenkian com o nº1, sendo umas das primeiras a ser inaugurada5 (entre Junho a Dezembro de 1958). De acordo com os dados da Gulbenkian6, foram emprestados por esta Biblioteca, só no ano de 1961, 66.215 obras, tendo o número de leitores inscritos dois anos depois, chegado aos 12.228.
Mas não se pense que toda a história das Bibliotecas Itinerantes se reveste de facilidades e que o processo de levar o livro/ conhecimento à população foi sempre conseguido de forma harmoniosa.
Através da leitura do artigo de Daniel Melo intitulado As Bibliotecas da Fundação Gulbenkian e a leitura Pública em Portugal , retiramos o seguinte excerto: “No arquivo da PIDE/DGS localizou-se um processo relativo à F.C.G. e que contém alguns dos casos que a PIDE e a PSP trataram durante 1960-1963 e que envolvem a perseguição a funcionários das bibliotecas itinerantes da FCG(...)foram vigiados, perseguidos e denunciados (...) por suposta possibilidade de distribuição de propaganda através dos carros-biblioteca, pela suposta postura política”. É ainda de referenciar, de acordo com o mesmo artigo, a resistência, de algumas populações rurais fechadas, à novidade da leitura e de um serviço gratuito (durante o período inicial dos serviços).
Como facilmente constatado, a acção da Gulbenkian foi crucial na implementação e na promoção da leitura pública, num Portugal cuja cultura estava concentrada nas elites. Contudo, o apoio e a colaboração de diversas entidades nacionais, facilitou todo este percurso. Em três anos, o país foi praticamente coberto pelo exercício da actividade das B.I. e nesta sequência, foram também surgindo as Bibliotecas Fixas (B.F.). Em Agosto de 1960, já existiam 267, instaladas nalgumas localidades e que prestavam apoio às unidades móveis, permitindo um maior equilíbrio na distribuição dos serviços a nível nacional, colmatando as necessidades sentidas em satisfazer o público leitor, dando aos estudantes, na execução dos seus trabalhos, diversos meios que não detinham nas Itinerantes.
A nova Biblioteca ItineranteÉ com 62 unidades móveis e 166 unidades fixas que a Gulbenkian dá, esta rede, como “concluída” no ano de 1972.
Em 1983 o Serviço de Bibliotecas Itinerantes que contemplava um serviço de unidades Fixas é redenominado Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas (SBIF).
Na década de 80, o declínio desta rede de bibliotecas e a sua obsolescência, devido à ausência de uma estratégia sólida de investimento nos serviços, o panorama social de baixos índices de alfabetismo e a inexistência de uma preocupação política referente à questão das bibliotecas públicas, força a tomada deuma posição de vários profissionais da área.
Foi, então, publicado o Manifesto da Leitura Pública em Portugal que continha diversas apelações ao poder político e à opinião pública referenciando as diversas lacunas existentes, nomeadamente os espaços inadequados das bibliotecas e a ausência da prática de leitura pública.
Iniciava-se, fruto desta ampla discussão, em 1987, o Programa Nacional de Leitura Pública (P.N.L.P) com o objectivo de dotar o país de adequadas instalações, onde deveriam funcionar bibliotecas públicas em estreita colaboração com as Autarquias.
Vergílio Ferreira, director do SBIF de 1981 a 1996, foca a sua acção no incentivo e na animação da leitura, verificando-se uma “explosão” de actividades relacionadas com a promoção do livro e da cultura (exposições, seminários, colóquios, encontros com escritores).
Fazia sentido, deste modo, designar o Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas, com uma nova denominação, dada a actualização da estratégia de apoio à leitura empreendida. Assim, em 1993, o Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian passa a denominar-se SBAL – Serviço de Bibliotecas e Apoio à Leitura. A Fundação Calouste Gulbenkian extingue, em 2002 este serviço, sendo entregues aos Municípios as unidades móveis e fixas, bem como a totalidade do seu espólio.
Algumas Itinerantes encerraram, desta forma, os serviços, deixando marginalizadas algumas localidades mais desfavorecidas. Constatada a lacuna, as Autarquias assumem o compromisso de alterar esta realidade e fazem ressurgir o serviço móvel de empréstimo.
Renascem, por força deste investimento público, novas e modernas Bibliotecas Itinerantes, sob as mais diversas e inovadoras formas. Chamam-se agora “bibliomóveis” ou “bibliobus”, apresentam-se melhor apetrechadas, com modernos sistemas informáticos e multimédia, prestando serviços inovadores e diversificados. Satisfazem novas necessidades informativas, formativas e culturais. Chegam rapidamente a um maior número de utilizadores e alargam, assim, o seu espectro de actuação.
Acompanhando a mudança e a evolução da sociedade, as Bibliotecas Itinerantes fazem ainda parte de muitos e muitas portuguesas que cresceram com elas.
Uma história feliz e um projecto que marcou e marcará, para sempre, o acesso e a difusão da cultura junto das populações.

Anabela Rodrigues com
Rui Borges Cunha.

Referências bibliográficas
MELO, Daniel – As Bibliotecas da Fundação Gulbenkian e a leitura em Portugal (1957-1987) [em
linha] [consultado em 04/05/09]. Disponível emformato PDF.
NEVES, Rui – Bibliotecas em movimento. As bibliotecas móveis em Portugal [em linha] [consultado em 05/04/09]. Disponível em http://www.bibliobuses.com/documentos/ruineves.pdf.
SERVIÇO de Bibliotecas itinerante e fixas: boletim informativo. Ed. António Branquinho da Fonseca. Nº 1. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1960.
SERVIÇO de Bibliotecas itinerante e fixas: boletim informativo. Ed. António Branquinho da Fonseca. Nº 5. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1961.
SERVIÇO de Bibliotecas itinerante e fixas : boletim informativo. Ed. António Branquinho da Fonseca. Nº 6. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1962.

1 Palavras proferidas pelo Presidente da Fundação Gulbenkian, retiradas do Boletim Informativo nº 5, de 1961, do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da F.C.G., na reprodução de parte do Relatório do discurso inaugural da 1ª serie de Bibliotecas.
2 Circular nº 8 da Fundação Calouste Gulbenkian, de Junho de 1959.
3 Circular nº 1 da Fundação Calouste Gulbenkian, de Setembro de 1958.
4 Circular nº 140 da Fundação Calouste Gulbenkian, de 16 Junho de 1971.
5 Não conseguimos encontrar qualquer tipo de documentação que nos prove a data certa de inauguração desta Biblioteca. Pelos documentos existentes podemos falar no período de Junho a Dezembro como a data do início da sua actividade.
6 Boletim informativo nº 6, de 1962, do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da F.C.G.
7 Boletim informativo nº 1, de 1960, do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da F.C.G.

Brochura alusiva ao I Encontro Internacional de Bibliotecas Itinerantes da Batalha

A Biblioteca Itinerante da Batalha

Nova viaturaA Biblioteca Itinerante há várias décadas que vem prestando um importante serviço de promoção da leitura junto dos estabelecimentos de ensino do Concelho.
São princípios da Biblioteca Itinerante, a descentralização cultural ao divulgar o livro e promover a leitura junto das populações mais afastadas da sede do Concelho, contribuir para a formação integral e o bem-estar da população e o reforço do direito de todos, ao acesso à cultura.
A Biblioteca Itinerante passou, também, numa lógica de complementaridade da Biblioteca e do Pólo de São Mamede, a desenvolver acções nas Instituições de Solidariedade Social do Concelho.
Em 2009, a viatura foi substituída por uma nova carrinha, mais moderna, com maior funcionalidade e apetrechada com equipamento informático. A nova viatura dispõe de um fundo documental de cerca de mil documentos (livro e não livro). O acesso às novas tecnologias é outra das componentes da nova Biblioteca Itinerante, que integra equipamento informático e sistema sem fios para os utentes que pretendam usar os próprios computadores portáteis no local. Para além disso, é também possível a leitura de periódicos nesta nova Biblioteca.